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As sandálias aos olhos do Fisco

Victor Humberto Maizman

É recorrente a crítica que se faz quanto a complexidade da legislação tributária e a necessidade de ser firmada uma interpretação uniforme, sob pena de causar uma onerosa insegurança, tanto para o contribuinte, como também para a autoridade fiscal.

O exemplo que chama a atenção, foi a discussão que resultou em um processo de milhões de reais com a Receita Federal do Brasil, o qual tramitou por anos nas instâncias de julgamento da referida autoridade fiscal.

A história começa em setembro de 2009, quando a Câmara de Comércio Exterior (Camex) editou uma resolução que instituía uma taxa provisória de importação para calçados vindos da China, ou seja, coube ao órgão de julgamento da Receita Federal decidir sobre uma multa imposta à importadora, de forma que a discussão resultou se à luz da legislação tributária o calçado importado é uma "sandália de borracha" ou um "sapato impermeável".

Tal qual o exemplo mencionado, tantos outros existem em decorrência da ambiguidade da legislação tributária, que por mais das vezes, abre brechas para interpretações diversas.

Por certo as normas gerais de direito tributário determinam que os textos normativos que tratam de dispensa do pagamento do tributo devem ser interpretados de forma literal, de forma a limitar o alcance a hipóteses não previstas pelo legislador.

Porém, tal critério de interpretação não é suficiente para dirimir a maioria das divergências de entendimento sobre a incidência ou não de um determinado tributo.

Deste modo, instaurada a ambiguidade, o Fisco tende a interpretar os fatos de modo a ampliar a carga tributária. Assim, o entendimento costuma ser sempre a que acarreta uma tributação mais alta.

Por outro lado, o contribuinte busca, naturalmente, a redução de custos e, por isso, irá defender a interpretação que lhe seja mais favorável.

Não por isso, as exigências fiscais impugnadas apenas no âmbito da Receita Federal e pendentes de julgamento, registrou em levantamento realizado no início do presente ano, na casa de um trilhão de reais. Isso sem contar as exigências que são objeto de cobranças judiciais.

E ainda, não se contabilizou na conta acima mencionada as pendências referentes aos tributos estaduais e municipais.

Diante deste quadro, a questão decorrente de tantas discussões fiscais não ocorre apenas em razão da alta carga tributária, mas também da complexidade e ambiguidade da própria legislação fiscal.

Diante de todo este quadro, tem razão aqueles que chamam o nosso sistema fiscal de um verdadeiro manicômio tributário. 


Victor Humberto Maizman é Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.
 
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