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Novo Código de Processo Penal: Lobos e Ovelhas

César Danilo Ribeiro de Novais

Como sabemos, o lobo veste inúmeras peles de acordo com seus interesses, circunstâncias e conveniências. O auge de sua dissimulação fica patente quando ele desfila com a pele de ovelha. Disfarçado de bonzinho, ele engana incautos e, sem dó e sem pena, devora sua presa, negando-lhe chance de defesa. 
 
O projeto de lei 8045/2010, que trata sobre o Novo Código de Processo Penal, é um lobo maquiado de ovelha. Na realidade, o mamífero cruel, com os dentes a escorrer sangue, está à espreita, aguardando sua aprovação pelo Congresso Nacional para fazer novas vítimas. 
 
Em um país campeão de assassinatos, em que a vida humana parece ser descartável, o parlamento brasileiro, em uma série de escamoteações, está na iminência de aprovar um novo Código de Processo Penal. Com roupa de ovelha, sob o falso argumento de celeridade no combate ao crime e à impunidade, engana desavisados. Apresenta-se com maquilagem de enganos cuidadosamente elaborados. Na verdade, o que se diz esconde exatamente o contrário do que se quer dizer. 
 
Segundo o Mapa da Violência de 2017, ocorrem cerca de 65 mil assassinatos ao ano. Uma contagem voraz de cadáveres. Afinal, ao lado da pandemia, que ceifou, ceifa e ceifará muitas vidas, há a velha epidemia de homicídios no país. Não é causada por um vírus invisível, mas pela maldade, prepotência, arrogância, ódio e maldade humana. 
 
Apesar do quadro aterrorizante e seguindo velha sabedoria, a de que "não há nada ruim que não possa piorar", o Projeto de Lei em questão se apresenta, na sua essência, como paraíso da impunidade de assassinos, incluindo matadores de mulheres. Isso porque dificulta a busca pela verdade, já que despreza a investigação do Estado realizada pelo delegado de polícia e seus agentes. Testemunhos colhidos no calor dos fatos, logo em seguida à prática do crime doloso contra a vida, em que, livre de pressões, informam para a polícia o que viram, ouviram e sentiram serão jogados na lata do lixo e, pior, serão subtraídos da apreciação dos juízes soberanos no Tribunal do Júri, que são os jurados. Se o Ministério Público fizer menção à testemunha ouvida na investigação criminal durante o Júri, o julgamento estará nulo.  
 
Não bastasse isso, as testemunhas serão ouvidas apenas no julgamento pelo Tribunal do Júri, na frente de todos e com os acusados sem algemas. A soberania do povo será substituída pela soberania dos assassinos. Quem, com peito de aço e cabeça blindada, terá a coragem de, na frente de todos, apontar o dedo para o assassino é dizer "foi ele, excelência!"? 
 
Ora, não precisa sequer ter passado nas portas de uma faculdade de Direito para desconfiar que a testemunha agirá em defesa da própria vida e das vidas de seus familiares. Aliás, ela viu a maldade do acusado com os próprios olhos ao matar gente. Ou seja, de duas uma: ou a testemunha se ocultará para não ser intimada a depor; ou faltará com a verdade. Fará um silêncio probatório, para não ser vítima de silêncio tumular. 
 
Não ver isso é imperdoável cegueira cognitiva. 
 
Para piorar as coisas, o Projeto de Lei transforma o julgamento pelos jurados em uma verdadeira fábrica de nulidades, ao estabelecer uma votação de quesitos absurdamente burocrática. Além disso prevê um debate entre eles, totalmente inconstitucional, pois fere de morte o princípio do sigilo das votações. Tudo feito, para errarem por entendimento e, assim, por vias transversas, o assassino obter a impunidade. 
 
Assim, é imprescindível no lance que se aproxima que os parlamentares, com coragem cívica e em defesa da vida e da sociedade, repudiem esse Projeto de Lei. Por ser tão nocivo e péssimo, não basta emendá-lo, é preciso que ele fique longe, muito longe, da pauta de discussão e votação pelo Congresso Nacional, até que surja outro realmente comprometido com a fonte de todos os interesses, direitos e deveres humanos, a vida humana. 
 
Como advertiu o cientista político, jurista, sociólogo e escritor Raymundo Faoro, "quem quiser iludir-se com a cor da casca que espere a polpa da fruta, já contaminada antes de nascer". Por isso, é preciso neutralizar o lobo antes de nascer, antes que ele concretize sua sanha assassina e estraçalhe novas ovelhas. "Quem poupa o lobo, sacrifica a ovelha", ensinou o escritor francês Victor Hugo.  
 
Portanto, pouco esforço é preciso para ver que esse Projeto de Lei é um grande lobo mau, cuja missão é promover o mal sanguinolento, com a criação de novas vítimas. Esvaziará cadeias e encherá cemitérios. Afinal, a impunidade é grande promotora de crimes. 
 
César Danilo Ribeiro de Novais é promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Mato Grosso e autor do livro "A Defesa da Vida no Tribunal do Júri". 
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