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A Bíblia e os conflitos: mediação é coisa muito antiga

​Isabel Cristina Melón de Souza Neves


A Mediação do latim mediatio simboliza a aproximação das partes interessadas em realizar acordo ou acabar com suas controvérsias, o que é feito por meio de um terceiro, com intervenção pacífica e neutra.

Essa forma de resolução de conflitos já era utilizada bem antes do Direito Romano ou do Código de Hamurabi. Os povos anteriores a Cristo já se utilizavam de formas legítimas análogas à mediação para dirimirem seus conflitos.

O conflito é uma realidade, é um fato da vida, desde que o mundo é mundo. Deus criou o Homem à Sua imagem, mas também o fez único, o que significa dizer que alguns de nossos pontos de vista e opiniões podem ser diferentes do das outras pessoas.

Como tudo na vida tem o lado positivo, muitas vezes o conflito pode ser visto como aprendizagem: pode trazer justiça onde há injustiça. Na verdade o conflito pode restabelecer sistemas político-sociais, com a finalidade de se modelar o futuro, com novas oportunidades para todos. Até aí, tudo bem.

Porém, quando o conflito se torna violento, poderemos ter mais mal do que bem, dificultando-se uma visão clara das melhores oportunidades para um futuro pleno e abundante, em face do processo destrutivo causado pela irracionalidade e violência, bem como os possíveis prejuízos causados, trazendo à tona a ira, o medo e outros sentimentos mesquinhos e paralisantes.

E isso pode e deve ser evitado com a renovação da visão de justiça, por meio do diálogo, com a perspectiva de reconciliação e reconstrução das relações sociais em seus diversos pilares, a que chamamos de Justiça Restaurativa.

O investimento em conversas pacificadoras e construtoras de consenso deve ser a grande finalidade para se alcançar a Paz. Paz em sentido universal, aplicada a todas as relações de uma pessoa: a sua relação consigo própria, com a sua família, com todos os tipos de sociedade na qual esteja inserida, com a natureza e com Deus. Essa ideia de paz é tão ampla que não se trata apenas de uma atitude interior do homem, mas da concretização exterior para uma vida de bem-estar, tutelada pela ordem social e pelas instituições que garantem o direito e a justiça.

Como já falado, a mediação e demais formas de solução de conflitos remontam tempos muito antigos, anterior ao Direito Romano. E este artigo visa destacar esse espírito pacificador que estão nos textos bíblicos, do Primeiro e do Segundo Testamentos, que indicam com clareza a existência da prática mediadora, tão falada nos dias atuais, em pleno século XXI, como a nova forma de distribuição de justiça.

Sabemos que, na vida do dia a dia, podemos nos encontrar envolvidos em conflitos com outras pessoas e que não é fácil reagir da melhor forma no meio de uma discussão, mas, é possível acalmar os ânimos.

Assim, o que importa é o “querer restabelecer” a justiça e as relações, tendo o Mediador a incumbência de levar as pessoas em litígio a adotarem uma postura que busque a reconciliação, reconhecendo o Outro na relação, humanizando o conflito.

Nessa linha, vamos considerar coisas que a Bíblia diz sobre conflitos e paz:
“Donde vem as lutas e as contendas entre vós? Não vêm elas de vossas paixões, que combatem em vossos membros? Cobiçais, e não recebeis; sois invejosos e ciumentos, e não conseguis o que desejais; litigais e fazeis guerra. Não obtendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, com o fim de satisfazerdes as vossas paixões.” (Tiago 4: 1-3).

“Como ousas dizer a teu irmão: Deixa-me tirar a palha do teu olho, quando tens uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave de teu olho e assim verás para tirar a palha do olho do teu irmão” (Mateus 7:4-5).

“Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta.” (Mateus 5:23-24).

Dessas passagens pode-se perceber que a origem do conflito está em insistirmos em sempre estarmos com a razão e de ter as coisas do nosso modo, criticando o Outro e ao mesmo tempo nos defendendo. Este é o sintoma do conflito: “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês”.

Oportuno, também, transcrever passagens interessantes extraídas do Livro da Vida, que traz alguns importantes Princípios para a condução pacífica voltados à resolução de conflitos, e que hoje são atualmente contemplados na legislação Pátria:

Ouvir antes de falar“Quem responde antes de ouvir, passa por tolo e se cobre de confusão.” (Provérbios 18:13)
 
Muitas discussões ganham força negativa porque ninguém está preocupado em ouvir o que o outro está falando! Não se preocupam em procurar entender a razão do aborrecimento antes de responder.
 
Responder com calma 
“Uma resposta branda acalma o furor, uma palavra dura excita a cólera” (Provérbios 15:1)
Gritar só piora a discussão. Quem respira fundo e fala com calma retoma o controle da conversa.

Ignorar o insulto“O louco mostra logo a sua irritação; o circunspecto dissimula o ultraje” (Provérbios 12:16)

Durante uma briga as pessoas dizem coisas que não deviam, até para fazer com que o outro perca o controle. Ignorar o insulto mostra maturidade e que o outro não pode lhe afetar.
4. Não retrucar

“Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens” (Romanos 12:17)

Quando você retribui mal por mal, você perde toda a razão. Retrucar só piora a briga. Se você agir de forma correta, você terá a vantagem moral.

5. Tratar com respeito

“Quem despreza seu próximo demonstra falta de senso; o homem sábio guarda o silêncio” (Provérbios 11:12)

Ridicularizar o outro só vai causar reações negativas e enfurecidas. Quando a outra pessoa se sente respeitada, vai se acalmar.

6. Ter paciência

“O homem iracundo (irritável) excita questões, mas o paciente apazigua as disputas” (Provérbios 15:18)

Muitos conflitos acontecem porque as pessoas envolvidas não estão com paciência. Ter um pouco de paciência para tentar entender o que se passa acalma o conflito.

7. Perdoar

“Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem” (Colossenses 3:13)

No fim de todo conflito é preciso perdão. Quando não há perdão, o ressentimento impera e mais conflitos podem acontecer. Perdoar restaura amizades e relações.

Assim, a solução para o conflito não está em “manter a paz” ignorando o conflito ou com algum tipo de arranjo, deixando que os sentimentos hostis permaneçam, mas, sim, levar as partes a uma reconciliação para que haja cura e restauração do relacionamento.

Finalizando, importante que operadores do direito incorporem a busca pela Paz, por meio do diálogo, como condição fundamental para a Mediação. É sua função propiciar um espaço novo em que as pessoas envolvidas no conflito sejam capazes de encontrar os equilíbrios interno e externo, sentindo-se autores de suas histórias, com a preservação das relações. Afinal, a melhor sentença é o acordo entre as partes.

“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9)


Isabel Cristina Melón de Souza Neves

Advogada Colaborativa. Membro da Comissão de Mediação, Arbitragem e Práticas Restaurativas e Membro da Comissão de Práticas Colaborativas, ambas da Associação Brasileira de Advogados – ABA/MT
 
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