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Sábado, 20 de abril de 2024

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Mensalão: depois da tempestade

Engraçado o jornalismo engajado. Primeiro, aplaude prisões dos barões da sociedade, comemorando o fim da impunidade. Levantando a bandeira da justiça e sua função social, festejaram as megaoperações federais, ao alvejar empresários. Quanto maior o patrimônio, melhor para a cobertura.

O governo petista, enfim, promovia a verdadeira justiça, soltando os cachorros sobre grandes fortunas. Era um texto de difícil confrontação, considerando que a opinião pública se junta à turba que não distingue justiça e justiçamento. Nada mais natural de sufragar nas urnas salvadores da pátria, quixotes que lutaram contra dragões.

Jornalistas engajados celebravam buscas e apreensões, quebra de sigilos, prisões em massa, penalizações de alta monta.

Eis que o julgamento do mensalão melindrou essa doutrina. Quanto o petismo foi colocado na mesma berlinda judicial, com a mesma exposição negativa na mídia, o algoz Joaquim Barbosa passou de mocinho a bandido, de salvador a traidor, de redentor a desequilibrado. Esqueceram-se todas as qualidades e acentuaram-se os defeitos, sublinhando críticas de colegas de Supremo Tribunal Federal.

Qualquer crítica ao voto condutor deste julgamento é fumaça suficiente para emissões de mensagens midiáticas a fustigar o relator de todas as formas. Intelectuais vergonhosamente assinam petições, artistas clamam em abaixo-assinados, personalidades compadecem-se em declarações para que a Excelsa Corte não seja tão dura. Todos entrincheirados contra o verdugo togado.

Já escrevi diversos artigos apontando a deseducação do ministro Joaquim Barbosa e, além do sofrível nível pessoal de tratamento com os colegas, incompatível às alturas de uma Suprema Corte, o claro viés inquisitivo da mentalidade do julgador.

Foram assentadas diversas vezes que, mais essa patriotada, não passava de nova oportunidade de show midiático, pouco técnico e muito espetacular, características que não são estranhas aos mato-grossenses, posto diversas operações federais resultarem em traques cinematográficos. Foram muitas as montanhas que pariram ratos.

É que a verve ministerial ainda está entranhada no imaginário do ministro que não conseguiu se desvencilhar da função acusatória. Assim, com um magistrado que acusa, não há advogado que possa defender.

Na tensão entre garantismo constitucional e simbolismo penal, o Supremo Tribunal Federal está caminhando a passos largos para esta última posição. Declina de critérios técnicos para se tornar refém da opinião pública, do peso do julgamento e da repercussão dos votos.

O plenário transformou-se num palco, onde flagrados estão personagens que se digladiam e divertem a imprensa com achaques, tiradas, críticas e debates. Como exemplo de técnica minguada, toma o recebimento indevido de recursos públicos ou particulares como lavagem de dinheiro. Até jejunos em direito penal sabem que são raras as hipóteses que, de um mesmo fato, haja dúplice repercussão típica. E essa não é uma delas.

O recebimento de vantagem indevida é a consumação do delito de corrupção passiva (para quem recebe) e ativa (para quem oferece). Embora não haja a necessidade de pagamento para completar as formas de corrupção, o recebimento é a mera consumação do fato típico.

Não pode configurar, portanto, lavagem de dinheiro, simultaneamente, porque os agentes não disfarçaram o ingresso do capital no mercado circulante nacional, não fomentaram transações fictícias e nem tampouco ocultaram os valores percebidos. Ao contrário, iam diretamente ao caixa bancário sacar recursos ou nomeavam interpostas pessoas, prática que não pode ser tomada tecnicamente por branqueamento de capitais.

Pensar contrariamente levaria à condenação por lesão corporal e tentativa de homicídio ao agente que desfere uma faca na vítima. A soma de tipos penais resultante de um único ato é absolutamente incompatível.

O saldo do julgamento, contudo, é positivo. Conduzirá à maturidade. Maturidade da imprensa vermelha que sempre aplaudiu os tresloucados juízes que se banham de holofotes; que sempre louvou condenações exemplares; que sempre se colocou na torcida pelo cadafalso moral. Maturidade para discutirmos sobriamente mandatos temporários para julgadores de órgãos colegiados e para analisarmos nossa forma atual de indicação política de juízes.

O julgamento do mensalão já foi de grande valia para desmascarar uma imprensa amestrada e distinguir os verdadeiros juízes dos que usam a toga para autopromoção. Aprendemos que é impossível domar a fera da vaidade judicial e controlar acusadores de toga.

EDUARDO MAHON é advogado em Cuiabá.

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