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Sábado, 20 de abril de 2024

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Privatizaram a OAB?

A política partidária é um fértil terreno para alcançar os objetivos de uma sociedade democrática. Quanto maior o envolvimento político de uma comunidade, melhores instrumentos haverá para a melhoria da vida gregária. Nada tenho contra o engajamento partidário, ao contrário, imagino ser o empenho organizado um claro sinal de maturidade. Precisamos, no entanto, saber discernir a politização do aproveitamento pessoal de instituições.

Poderes e entidades jurídico-políticas, reguladas constitucionalmente, com importância vital para a sociedade não podem servir de trampolim político. Todos os cargos que gravitam na vida pública do operador jurídico (advogado, promotor, defensor, juiz, delegado, procurador entre tantas outras), pertencem à sociedade ou à instituição originária e não aos desígnios partidários. Trata-se de uma depreciação incompatível com a honorabilidade exigida pelo cargo.

Imaginemos o julgamento de um juiz que sonha com um posto político; uma acusação de um promotor que almeja cargos eletivos; um parecer de um procurador que pretende concorrer no mundo partidário – que deterioração institucional! Que diremos do advogado dirigente da entidade de classe que se utiliza da visibilidade da Ordem dos Advogados para galgar projetos pessoais? Degeneradas as instituições em benefício de projetos partidários, ocorrerá caminho inverso – a invasão de interesses politiqueiros nestas que são (ou deveriam ser) as instituições de maior credibilidade nacional.

Assistimos ao flerte ocasional de magistrados com a política, sondagens que desmerecem o cargo. Da mesma forma, a projeção de popularidade de promotores na política e de alguns defensores, delegados, advogados. Convém reprisar que não há qualquer problema na filiação partidária deste ou daquele, desde que haja honestidade suficiente para abandonar o cargo com antecedência necessária para que a população não confunda quem está em campanha – se o candidato ou a instituição.

Na Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, entendo que nenhum dos diretores e conselheiros pode ser filiado a partido político, sob pena de comprometer a imagem de todos os advogados em benefício de um partido ou um projeto pessoal. E quem saberá a diferença entre o presidente, diretor ou conselheiro da OAB que tem assento na executiva de um partido? Quem poderá distinguir onde começa a defesa dos interesses do advogado e onde há uma inclinação essencialmente política? Quando poderemos ter a certeza de que o dirigente da Ordem está participando de uma carreata ou de uma manifestação apenas como filiado? Quem defenderá a democracia: o dirigente da OAB ou o aliado político dos governantes?

Esses são questionamentos típicos de qualquer entidade classista, no entanto, a crítica fica ainda mais aguda quando se lê na legislação que regula a advocacia a função social da Ordem dos Advogados do Brasil. Como sabemos, o art. 44 da Lei 8.906/94 dispõe em seu primeiro inciso, ao abordar a função da OAB: “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Portanto, não é o partido que deve ser defendido pelo dirigente de classe, mas a própria democracia. Não é uma incompatibilidade legal pertencer a algum partido, mas me parece ser um impedimento ético. A OAB, um patrimônio constitucional do estado democrático de direito, não pode ser privatizada. Vamos cobrar seriamente dos nossos dirigentes a postura ética da desfiliação partidária ou, quando esta for julgada mais importante, a dignidade para desligar-se dos quadros classistas.

Eduardo Mahon é advogado.

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