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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Marãiwatsédé versus Suiá Missú

A questão indígena tem um simbolismo negativo muito forte em nossa sociedade. Há mais de quinhentos anos os indígenas no Brasil vêm sofrendo ininterruptamente processo de extrema violência e extermínio, oriundo da discriminação, semelhante aos que sofrem os grupos de moradores de rua, afro-descendentes, portadores de necessidades especiais, trabalhadores sem terras, por fim, as pessoas oriundas da pobreza em geral. Por essa razão o Estado brasileiro tem uma dívida impagável com esses grupos de pessoas. Parte da sociedade os tem como pessoas que nada contribuem para o desenvolvimento do Estado, são incapazes e indolentes, aliás, os têm como mola mestre da violência, depositando sobre os seus ombros todas as mazelas existentes na nossa sociedade, provavelmente com a finalidade de ocultar os crimes de colarinho branco. Em verdade ocorre um alijamento dos segmentos populares.

Assim, temos uma sociedade extremamente dividida entre os poucos que mandam e os muitos que devem permanecer sob as ordens dos primeiros. Enfim, os poderes econômicos e políticos ditam as regras, e ponto final.

As leis são mudadas sem qualquer consulta popular, e são editadas sempre a favor do sistema econômico dominante, ora acrescentando mais direitos a este, ora retirando direitos fundamentais daqueles, que foram conquistados com muita luta na Assembleia Constituinte, trazendo enorme insegurança jurídica.

Em razão desses absurdos, os organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos pelo qual o Estado brasileiro é membro e se comprometeu a atender os princípios dos Direitos Humanos, reconhecendo a pouca prática da democracia no continente latino americano, consideram pessoas em situação de vulnerabilidade aquelas que, em razão de sua idade, gênero, estado físico, mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e culturais encontram especiais dificuldades para exercitarem com plenitude os seus direitos.

Neste sentido, é reconhecida aos indígenas a sua condição de vulnerabilidade por esses organismos internacionais mencionados, pois eles formam o grupo que, por suas características, são mais suscetíveis a sofrer violência que a sociedade lhe impõe, eis que estão mais desprotegidos, não tendo condições de enfrentar um meio hostil discriminatório. Por essa razão, precisam ser protegidos pelo Estado, haja vista, as violências que vêm sofrendo há mais de quinhentos anos de colonização. Seus direitos são cotidianamente violados pelo próprio Estado, que deveria garantir o gozo deles é quem os viola, para atender, tanto ao poder econômico quanto ao político. Um exemplo disso é o que o governo do Estado de Mato Grosso está fazendo juntamente com alguns parlamentares deste Estado contra os direitos dos índios Xavantes da T.I. Marãiwatsédé, como se estes não tivessem qualquer direito sobre a sua terra, que foi devidamente reconhecida, homologada e demarcada, conforme decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, posteriormente registrada no Serviço de Patrimônio da União.

Os direitos dos povos indígenas estão presentes na Constituição de 1988, quanto à sua organização social, costumes, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, entre outros.

Aqui, cabe destacar que os direitos originários sobre a terra remontam à formação do Estado brasileiro; estes são reconhecidos pela Carta Política e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é um dos signatários, entre eles destaca-se o atinente à propriedade da terra comunitária, que serve tanto para a subsistência como para a preservação de suas identidades. O fato de impedirem os Xavantes de retornarem à sua Marãiwatsédé tem privado a comunidade às suas práticas, como por exemplo, a de enterrar os seus mortos, conforme os seus ritos e crenças, afetando gravemente sua identidade cultural. É lamentável que o governo do Estado de Mato Grosso e alguns políticos não querem reconhecer que é de fundamental importância para esses indígenas viverem em suas terras ancestrais, necessária para sua reprodução física e social, o cultivo e a preservação de seus valores culturais. Violam-se os Direitos Humanos dos índios, submergindo todo um rico patrimônio de saberes transmitidos pelos seus antepassados tais como: a língua materna, religiosidade, medicina, arquitetura, culinária, música, dança, pinturas, atividades esportivas, conservação do meio ambiente e a convivência comunitária pacífica entre eles, em detrimento dos interesses de uma economia excludente e equivocada - o agronegócio nos faz lembrar a degradação do meio ambiente, desmatamentos, poluição por inseticidas, mortandade de peixes, trabalho escravo e outras mazelas. Quanto aos poucos posseiros que lá se encontram, tudo leva a crer que foram enganados para cerrarem fila com os mais influentes, servindo de massa de manobra para justificar as invasões; poderíamos até dizer que se encontram de boa fé, devendo ser remanejados para projetos de reforma agrária do Incra, ou indenizados, se for o caso, porém devem deixar o local para restabelecer a paz e a dignidade dos índios Xavantes.


Roberto Tadeu Vaz Curvo é Defensor Público Interamericano BR/MT, Natural de Cuiabá. Email: dh_matogrosso@terra.com.br

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