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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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PEC 37: O anel de Giges

Em A República, Platão[1] narra a lenda de Giges, um homem correto, cumpridor de seus deveres e respeitador da realeza. Bastou encontrar um anel que lhe tornasse invisível, para mudar sua conduta. A partir daí, deu início a um sucedâneo de malfeitos: seduziu, roubou e matou.

O Projeto de Emenda Constitucional n.º 37, de autoria de um deputado federal, que é delegado de polícia, dá exclusividade à Polícia Civil de investigar crimes no país. Isso significa dizer que outras instituições, dentre elas o Ministério Público, não poderão exercer essa atribuição.

Basta ser minimamente racional para perceber a nocividade social desse projeto. Um verdadeiro “Anel de Giges” nas mãos e cabeças de assassinos, corruptos, torturadores, quadrilheiros, traficantes e demais criminosos.

Ante a escalada da criminalidade no país, é natural e lógico que ocorra a ampliação do rol de órgãos com legitimidade para investigar práticas de infrações penais e não sua restrição, muito menos a redução dessa importante missão nas mãos de uma só instituição. A propósito, vale exaltar o princípio da universalização da investigação criminal, pregada por Valter Foleto Santin[2]:

“A polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação criminal; não há exclusividade. O princípio é da Universalização da Investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior transparência doa atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e ampliação do acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional vigente.”

Quem perde com essa medida parlamentar teratológica, sem dúvida, é a sociedade e o próprio Estado, pois, a impunidade (cifra negra) só tende a aumentar, em prejuízo do tecido social, já esgarçado e rasgado pelo alto índice de crimes, e do Poder Público, que vem assistindo sua autoridade sendo solapada diuturnamente pelas organizações criminosas no país afora.

É um claro atentado ao Ministério Público e, o mais grave, à própria sociedade. Vale dizer, as funções e garantias do Ministério Público, antes de protegerem seus membros, têm por objetivo assegurarem sua independência para que haja uma defesa efetiva e destemida dos direitos afetos ao corpo social. Atacar, por conseguinte, essa instituição significa investir contra a própria sociedade.

Bem por isso, é tempo urgente de mobilização da sociedade civil, por suas várias entidades e organismos, instituições públicas, imprensa etc. com o desiderato de combaterem esse gravíssimo atentado, verdadeiro “Anel de Giges”, contra o Estado Democrático de Direito.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso e Editor do blog www.promotordejustiça.blogspot.com.

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