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Segunda-feira, 16 de junho de 2025

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Sem juiz, sem RIF: STJ fecha a porta

No último dia 14 de maio de 2025, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os RHCs 196.150, 174.173 e o Resp 2.150.571, pôs fim à controvérsia sobre o alcance dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs). Por maioria de seis votos a três, fixou-se tese vinculante segundo a qual é inviável que o Ministério Público ou a Polícia Judiciária requisitem, sem ordem judicial, a remessa de RIFs pelo COAF.
 
A decisão representa um divisor de águas – não apenas por sua repercussão prática, mas porque consolida, com força vinculante, o entendimento que venho sustentando há anos na advocacia e na produção doutrinária: não há espaço, em um Estado Democrático de Direito, para investigações patrimoniais paralelas, ocultas e desprovidas de controle jurisdicional. O combate ao crime, por mais urgente que seja, não autoriza a relativização da reserva de jurisdição nem o esvaziamento das garantias fundamentais.
 
A tese fixada pela 3ª Seção é direta e contundente: “A solicitação direta de relatório de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF, sem autorização judicial, é inviável. O Tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta dos dados financeiros por órgão de persecução penal sem autorização judicial”.
 
O efeito é imediato: o STJ passa a considerar nulo o RIF obtido sem prévia autorização judicial, inclusive em investigações formalizadas. RIFs por encomenda, requisitado diretamente mesmo após instauração de inquérito, passam a ser prova ilícita – atraindo a incidência do art. 157 do Código de Processo Penal e contaminando investigações subsequentes.
 
Durante a sessão, os representantes do Ministério Público alegaram a necessidade de respostas céleres contra o crime organizado, evocando o cenário de violência urbana e lavagem de capitais. A defesa, por sua vez, demonstrou que o instituto vinha sendo utilizado de forma clandestina, com requisições de massa – atingindo, em um único caso, mais de 10.000 CPFs e CNPJs sem qualquer individualização – e ocultação dos RIFs inclusive do próprio órgão revisor do Ministério Público. O uso da Verificação Preliminar de Informações (VPI) para armazenar relatórios por mais de um ano fora dos autos foi denunciado como prática de fraude processual sistêmica, incompatível com os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade processual.
 
Relator da corrente vencedora, o ministro Messod Azulay Neto destacou que o Tema 990 do STF jamais autorizou requisição ativa – somente o compartilhamento espontâneo de informações, condicionado à formalização de procedimento e à existência de indícios prévios. Segundo o ministro, não há autorização legal nem jurisprudencial para que o Ministério Público ou a polícia, de ofício, exijam o envio de RIFs sem autorização judicial.
 
O ministro Sebastião Reis Júnior, em voto paralelo, descontruiu a alegação de urgência: como os dados dos RIFs são estáticos, não há justificativa para a dispensa do crivo judicial. A exigência de autorização judicial não é entrave, mas cláusula civilizatória de validade da prova em um processo penal que respeite a Constituição Federal.
 
Também o ministro Reinaldo Soares da Fonseca reforçou que o Judiciário não criará obstáculos arbitrários: havendo justa causa mínima, nenhum magistrado deixará de autorizar a medida. O que se exige, portanto, é o respeito à legalidade e à institucionalidade da persecução penal.
 
Já os votos vencidos, liderados por Og Fernandes e seguidos por Schietti e Ribeiro Dantas, sustentaram que o STJ não poderia reinterpretar o alcance do Tema 990. Ainda que pautados por preocupação institucional legítima, prevaleceu o entendimento de que o STJ não apenas podia – mas devia – firmar sua jurisprudência diante de um vácuo hermenêutico perigoso e da prática reiterada de abusos.
 
A nova diretriz reforça a necessidade de que qualquer acesso a dados protegidos por sigilo bancário ou financeiro respeite as balizas constitucionais do art. 5º, XII, da CF, da LC 105/2001 e do art. 3º-B, §1º, do Código de Processo Penal. Sem controle judicial, não há prova lícita – e, sem legalidade, o processo penal se converte em exceção institucional.
 
Ao fechar a porta da devassa informal, o STJ não enfraquece o combate ao crime – fortalece a República. Reforça-se o processo penal garantista, centrado em direitos fundamentais, legalidade estrita e atuação institucional legítima. É a vitória da Constituição Federal sobre os atalhos da eficiência investigativa.
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