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Cartão vermelho para o preconceito no esporte
Autor: Gustavo Lisboa
24 Jan 2025 - 08:00
O esporte, esse teatro onde celebramos a diversidade e o trabalho em equipe, tem sido palco também de comportamentos que parecem tirados de uma comédia sem graça e ultrapassada. Já passamos da fase em que atitudes de preconceito eram “engraçadas” ou “aceitáveis” – hoje, não há espaço para essas cenas lamentáveis.
Por diversas vezes, no futebol é possível assistir exemplos de tudo que não deve estar presente no esporte, como o caso em que torcedores de um time zombaram da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, fazendo gestos de natação para provocar a torcida sulista, em outras palavras, uma tentativa de piada que só demonstrou insensibilidade e desrespeito com uma população que vem sofrendo as consequências de um desastre natural.
Para quem acha que “é só uma brincadeira”, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) tem outra leitura. No seu artigo 243-G, ele deixa claro: atos discriminatórios, ultrajantes ou preconceituosos são infrações graves. Além disso, o Brasil é signatário de convenções internacionais, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD), que exige dos países a criminalização do racismo. Então, ao contrário do que muitos podem pensar, fazer piada com a dor alheia tem consequências, e não é “mimimi”: é respeito e civilidade.
A Justiça Desportiva tem se mostrado consistente e vigilante na repressão a atitudes preconceituosas e comportamentos desrespeitosos no esporte. Isso porque o esporte deve ser um campo onde todos se sintam bem-vindos, independentemente de suas origens ou realidades. Não apenas o atleta, mas o torcedor, o gandula, o dirigente – todos que fazem parte desse universo.
O futebol, como dizem, é uma “caixinha de surpresas”, mas o que não pode ser surpresa é a segurança e o respeito no estádio. Quando alguém diz “foi só uma provocação”, a Justiça Desportiva lembra que a provocação termina onde começa o desrespeito e a dor do outro. E é por isso que precisa — e deve — haver punição, para que comportamentos preconceituosos não continuem a circular nos gramados.
Exemplos recentes reforçam esse compromisso. Em outubro de 2024, a UEFA puniu a Lazio e o Atlético de Madrid por atos racistas de seus torcedores durante competições europeias. A Lazio foi multada em €45.000,00 e teve setores de seu estádio parcialmente fechados após incidentes de racismo na vitória contra o Nice. Já o Atlético de Madrid recebeu uma multa de €30.000,00 e a suspensão condicional da venda de ingressos para torcedores visitantes, após comportamentos racistas durante uma partida contra o Benfica.
No Brasil, em 2014, o Grêmio foi eliminado da Copa do Brasil e multado em R$50.000,00, após torcedores proferirem insultos racistas contra o goleiro Aranha, do Santos, durante uma partida. Essa decisão histórica do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) marcou um momento importante na luta contra o racismo nos estádios.
No último ano, o STJD multou o Corinthians em R$50.000,00, após torcedores realizarem gestos provocativos e desrespeitosos contra o Grêmio. Os envolvidos foram identificados e estão sujeitos a sanções, como a proibição de frequentar estádios por até um ano, de acordo com a legislação vigente. O Código Penal Brasileiro e a Lei nº 7.716/2019 estipula penas para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Alguns podem até achar exagero, mas o esporte é muito mais do que uma partida, é um espelho de quem somos como sociedade. Então, que tal refletirmos um pouco mais sobre o tipo de “futebol” que queremos jogar? Porque, convenhamos, torcer é gritar, é vibrar, mas nunca deve ser sinônimo de ofender. E, para garantir que o esporte continue sendo essa grande celebração, a Justiça Brasileira está aí para lembrar que o preconceito, esse sim, não tem lugar no jogo. Afinal, em um mundo que vibra por inclusão e igualdade, o preconceito precisa – e vai – parar.
Gustavo Lisboa é Advogado e Procurador do STJD do Futebol