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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Quem é seu próximo?

Dá para levar ao pé da letra esse mandamento: Amarás seu próximo como a ti mesmo? Se você respondeu sim, me diga como posso amar alguém que desferiu mais de 50 facadas na sua ex-mulher e nas duas filhas dela?

Falo do Jorge Carlos da Silva, com quem conversei horas depois do triplo homicídio. Essa é uma das várias atividades que um Defensor (a) Público(a) tem que enfrentar na sua rotina de trabalho.

Estava de plantão durante o feriadão, quando na sexta-feira o celular institucional tocou: era um familiar do suspeito relatando que ele estava na sua casa e queria se entregar.

Fiz as primeiras perguntas para a cunhada dele e a orientei a me ligar novamente após a prisão, já que essa se concretizaria em breve, pois, os parentes não queriam que ele se entregasse, mas a polícia estava a sua procura.

Quando cheguei na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa Jorge já havia confessado, só não tinha dito o motivo e aonde estavam a faca e as roupas que usava no momento do crime.

Pedi para conversar reservadamente com o meu cliente. Um dos policiais quis me mostrar as fotos do triplo homicídio armazenadas em seu celular. Dispensei a exibição.

Defensor (a) deve agir assim. É o único profissional que não pode julgar um suspeito de crime. Todos os demais podem: o policial militar, o civil, o delegado, o promotor, o juiz, a sociedade, mas o Defensor(a) não pode julgar!

Algemado com as mãos para trás, confirmou cada palavra dita ao delegado e aos policiais que estavam na sala. Segundo ele, após saber que a Polícia estava em seu encalço, se dirigiu até a Base Comunitária do bairro Pedra 90 e foi preso. Não sabia me apontar o motivo, nenhum motivo... Só me afirmou uma coisa com muita certeza: a de que morreria para onde fosse levado.

Fiz várias perguntas sobre a vítima, o relacionamento com ela, com as enteadas... Eu não conseguia acreditar que aquele homem havia ceifado a vida de três pessoas do seu convívio...

Após militar durante 9 anos junto ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, atuar na defesa da vítima junto a vara de violência doméstica de Várzea Grande por quase 4 anos, proferir inúmeras palestras defendendo a lei Maria da Penha, porque eu, justamente eu, tinha que estar ali, naquele momento? Perguntei isso para Deus. Ele ainda não me respondeu.

Acho que "Amar o próximo como a ti mesmo" seria uma resposta plausível... mas será mesmo que tenho que amar... ou só procurar entender, me colocar no lugar dele... Mas como? Como entender três assassinatos tão violentos?

Os policiais me perguntaram qual seria a tese de defesa? Respondi: Não serei eu quem fará a defesa dele. Estou apenas acompanhando o flagrante. Provavelmente, diante da confissão e das provas colhidas durante a instrução, a se confirmar, o(a) Defensor(a) por dever de ofício e com ética fará a melhor defesa possível, tentando excluir qualificadoras.

Sem entrar no mérito desse caso, penso que relacionamentos doentios, destrutivos e perturbados devem causar desequilíbrios entre os envolvidos.

Acho que tanto o homem como a mulher precisa de apoio familiar e ajuda de um profissional da área de psicologia quando termina um relacionamento conturbado.

Perguntado à Madre Tereza de Calcutá durante a entrega do Prêmio Nobel da Paz em 1979: o que fazer para promover a paz mundial? Ela respondeu: "Vá para casa e ame sua família".

Ame sua família, não queira simplesmente tê-la sob seu domínio e controle. Isso vale para os dois pólos de uma relação.


Tânia Regina de Matos
Defensora Pública do Estado de Mato Grosso
Defensora da Vara da Violência Doméstica de Várzea Grande
Atuando na defesa da vítima

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