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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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O crime de stalking e a violência contra a mulher

O  crime de stalking  e a  violência contra a mulher
 
Recentemente, o Código Penal recebeu novo artigo por meio da Lei n. 14.132, de 31 de março de 2021, que inseriu o artigo 147- A , tipificando o crime de perseguição, conhecido internacionalmente com o termo em inglês  stalking. A nova lei revogou o art. 65 da Lei das Contravenções Penais, que dispunha sobre a contravenção penal de perturbação da tranquilidade.

Na verdade não se trata de um comportamento novo, mas sim de uma conduta que se perde no tempo,  aliás, comportamentos desse tipo foram documentados desde a década dos anos 90, os Estados norte-americano da Califórnia, nos Estados Unidos,  Canadá, Austrália,  Alemanha, França, Portugal, Reino Unido e outros países europeus passaram a  tipificar a pratica da conduta de perseguição, stalking, como crime grave.
 
A redação do caput  do art. 147-A do Código Penal, descreve como crime a conduta do agente que persegue alguém de forma reiterada e por qualquer meio, que cause ameaça a integridade física ou psicológica, podendo ainda restringir sua capacidade de locomoção, ou agindo de outra forma que invada ou perturbe sua liberdade e privacidade, estabelecendo pena máxima de 2(dois)anos de reclusão, porém,  em seus parágrafos a pena pode chegar a até três anos  se presentes alguns agravantes, são eles: quando o crime ocorre contra mulher, crianças ou idosos, ou quando é cometido por mais de uma pessoa conjuntamente ou  envolva o uso de arma de fogo.
 
De acordo com a lei, para efeitos e configuração da perseguição, se faz necessário a reiteração dessa conduta, ou seja,  deve ser constante, habitual. Isso quer dizer que uma única abordagem, mesmo que inconveniente, não se configurará o delito sub exame, tornando a conduta totalmente atípica.
 
Há, portanto, uma necessidade de reiteração do comportamento do agente, criando situação de incômodo, desconforto e impondo certo temor a vítima.
 
Desta forma, para denunciar e penalizar o agente pela pratica do crime de “stalking”, torna-se necessário analisar a conduta do agente no contexto da situação fática, verificar se a conduta é de forma reiterada ou isolada, assim, o homem que em uma festa passa a noite  abordando uma mulher e por diversas vezes tenta se aproximar, dialogar e flertar,  é conduta totalmente atípica, pois só aconteceu em um único momento, diverso da situação em que este mesmo homem após tentar diálogo com a mulher na festa, descobre seu telefone e passa a ligar e mandar mensagens de forma exageradas, ao ponto de causar transtorno e abalo emocional a vitima, aí sim temos a figura do crime de stalking.
A legislação tratou do crime de perseguição de forma genérica, deixando livre a sua forma de consumação, seja na esfera física ou virtual, o comportamento de stalkers virou pauta para estudiosos, e suas atitudes passaram a ser vistas como perigosas em diferentes níveis, conforme o sentimento da vítima e as consequências dessa perseguição, daí a necessidade de punição  mais grave e prevenção para novos casos.
O stalker é o perseguidor, aquele que escolhe uma vítima pelas mais diversas razões, e a molesta insistentemente, e por qualquer meio exercer os atos  persecutórios  presenciais ou virtuais, mas é imprescindível que seja de forma reiterada e sempre contra a vontade da vítima, ou seja, o perseguidor é o agente que  promove uma ‘caçada’ física ou psicológica contra alguém.
 
O crime de stalking já foi por diversas vezes abordado em nosso meio, porém, a prática era enquadrada apenas como contravenção penal, que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia, punível com prisão de 15 dias a 2 meses e multa, punição irrisória diante da gravidade que o crime requer. Um vez que, o crime em estudo é uma espécie de terrorismo psicológico, onde a figura do perseguidor, stalker, cria na vítima uma intensa ansiedade, pânico, angústia, a vítima em alguns casos, desenvolve  certos tipos de fobias e transtornos psicológicos,  sobremaneira capaz de impedi-la, muitas vezes, de exercer normalmente suas atividades.
 
Como dito supra, o crime de stalking se configurar  dentre as infinidade  dos que possam ser  utilizados pelo agente para a pratica da infração penal, podemos exemplificar como  telefonar e permanecer em silêncio, ligar repetidas vezes e desligar tão logo a vítima atenda, ligar insistentemente para conversar com a vítima, enviar fotos, músicas, flores, enviar presentes, mensagens( sms, directs, e-mails, whatsapp e etc), vale dizer que, é indiferente se a perseguição tem cunho amorosas, agressivos ou sentimento de um fã por seu ídolo desde que a conduta do agente de enquadre no tipo legal.
 
Contudo, a criminalização da perseguição, nada mais é que o aperfeiçoamento do Código Penal,   oportuna e necessária para dar mais segurança às vítimas de um crime que muitas vezes começa on-line e migra para perseguição física ou o inverso. Os jovens,  depois das mulheres, estão em grande escala de vítimas, uma das causas seria o maior tempo exposto ao mundo virtual, o que tem colaborado de forma significativa para os crimes dessa natureza, e que por vezes, dificulta a identificação do autor do crime, que se esconde através da tela do computador e meio virtual, porém, o stalking praticado é tão lesivo e perturbador quanto o físico, quiça até pior.
 
Embora o sujeito passivo, ora vítima, possa ser qualquer pessoa, verifica-se uma maior incidência em relação as vítimas mulheres, por essa razão, o stalking acaba sendo tratado, em alguns casos como uma das formas de violência contra as mulheres com as implicações pertinentes a defesa a mulher constante na Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006, inúmeros casos dentro da violência domestica esbarram nas denuncias de perseguições sofridas de varias formas pelas vitimas, e que infelizmente acabam virando estatísticas de vítimas de feminicídios.
Por fim, acreditamos que com o advento da criminalização  do stalking, supriu-se  a insegurança jurídica que insidia sobre tais condutas, até porque eram tratadas como meras contravenções com penas ínfimas em comparados aos transtornos, ameaças a integridade física, invasão de privacidade e demais atos persecutórios os quais as vitimas eram submetidas, sem o amparo jurisdicional a contento.  Lógico, que bem como explanado, tendo em vista as consequências mais gravosas advindas da perseguição, estes crimes merecem sim, uma análise rigorosa e punição mais severa.
 
Além do mais,  a nova lei surge como um mecanismo de proteção as vítima que sofrem qualquer tipo de perseguição, conduta que necessita ser combatida, pois pode desencadear em crimes de outras proporções gravíssimas e irreversíveis. Tanto que o legislador tratou de definir um rol para as causas de aumento de pena, estendendo a proteção àqueles que são mais frágeis e carecem de maior proteção, em especial as vítimas mulheres que sofrem a violência domestica e familiar
 
Nesses Tipos de crime a ação penal é de iniciativa privada, ou seja, mediante a representação da vitima. Portanto, devemos ficar atentos a qualquer conduta insistente e contumaz que   causa transtorno, perturbação ou  ameaça de alguma forma a sua integridade física ou psicológica. Busque ajuda imediata ao se ver como  vítima do crime de stalking,  pois hoje  o autor desse crime pode sofrer sanções penais com base em recente alteração legislativa no Código Penal brasileiro. As mulheres, principalmente, devem estar atentas pois estão dentre as maiores vítimas, e a perseguição, stalking,  tem se dado muitas vezes por ex namorados e companheiros não conformados com o fim do relacionamento, os quais possivelmente praticam ou já praticaram outras modalidades de violência contra a mulher tipificadas na Lei Maria da Penha.
 
Se viu nessa situação? Procure ajuda imediatamente.
 
 
IRIS DIAS GONÇALVES BENDÔ, advogada criminalista,  professora universitária, vice presidente da Comissão de Penal e Processo Penal da ABA Mato Grosso e membro da Comissão de Civil e Processo Civil da ABA Mato Grosso e Dynair Alves de Souza, advogada cível, proprietária do escritório Dynair Souza Advocacia e Consultoria Jurídica, Mestre em Direito,  Presidente da Comissão de Gestão Estratégica e Liderança na Advocacia da ABA Mato Grosso e membro da Comissão de Civil e Processo Civil da ABA Mato Grosso
 

 
 
 
 
 
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