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ENTREVISTA ESPECIAL

Promotor se intitula o mais "odiado" após denunciar destruição de 170 nascentes em Cuiabá

28 Dez 2017 - 14:00

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Olhar Direto

Gerson Barbosa

Gerson Barbosa

É quase regra: as promotorias criminais do Ministério Público Estadual (MPE) sempre recebem maior destaque na imprensa, deixando as promotorias ambientais à sombra. Neste 2017, as coisas mudaram consideravelmente e muito em razão de uma personalidade que se destacou, por sua atuação, nas manchetes de Olhar Jurídico: Gerson Barbosa.

Responsável pela 17ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá, Barbosa incomodou poderosos e travou embates duros na justiça contra figuras políticas e instituições. Chegou a pedir a demolição de parte de uma universidade particular e de uma casa noturna.

Ele reconhece as vitórias obtidas neste ano e as conseqüências negativas que sua atuação trouxe, na vida particular. “Você está entrevistando o promotor mais odiado de Cuiabá, sabia disso?”, brincou ao receber a reportagem de Olhar Jurídico, em seu gabinete.

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Uma sigla ficou conhecida este ano, depois das inúmeras notícias relativas a atuação do MPE Ambiental: APP. Explique:

“Na verdade, sob a desculpa de ausência de habitação, as pessoas têm invadido as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP). Este ano já identifiquei, entre empresas e pessoas, 130 ocupações ilegais. Os invasores são em arquitetados, é um grupo organizado. “As pessoas vão, loteiam as áreas e vendem. Derrubam a vegetação e acabam com as APP de Cuiabá”.

Quem dá mais trabalho para a promotoria ambiental? Os ricos, os pobres ou as empresas?

“Ah, são todos... não dá para apontar se é rico ou pobre. Ambos dão trabalho igualmente. Em alguns APP você encontra sobrado com carro do ano e piscina, ou gente pobre também. Há 10 anos, alguém pegou um terreno, delimitou 01 mil metros, constrói um casebre e depois vende. É o que chamam de ‘amansar o grilo’. Lamentavelmente essa prática conta com a omissão e a comissão do Poder Público. A fiscalização não funciona. Por isso fizemos no ano passado uma força tarefa no município de Cuiabá. Eles queriam a ajuda do MPE e nós apontamos as grandes invasões de áreas que tornaria a situação da capital insustentável. Tanto é que Rogério Galo deve ter entrado com umas 40 ações. Mas, quem deve entrar neste combate com eficiência e competência é o município de Cuiabá e isso não está acontecendo”.

O que a Prefeitura de Cuiabá alega?

“Eles alegam que precisam da ajuda da Polícia, que há burocracia... na verdade, quem é o atual secretário municipal de Ordem Pública (SORP) é um Coronel, e acho estranho ele não ter apoio da polícia. Creio que ele, melhor que ninguém, tenha apoio da polícia. De qualquer sorte falta eficiência e competência do município de Cuiabá. Por outro lado, uma notícia boa é que a Secretaria de Meio Ambiente recebeu de nós as bases de dados e em muitas nascentes que estavam sendo degradadas eles deixaram de expedir habite-se ou alvará”.

Quais os setores que mais geram problemas ambientais?

“Construtoras e empresas do ramo imobiliário. Detectamos também supermercados e comércio em geral em APP”.

A maioria delas empresas grandes e conhecidas:

“Devo deixar claro, à bem da verdade, que muitas destas empresas tentam fazer da forma correta, mas muitas vezes recebem o aval do município, que por ineficiência acaba autorizando a empresa a ocupar a área. Existem loteamentos em APP, aprovados pelo município”.

Foi um ano agitado:

“Foi, muita invasão de rua, invasão de APP, foi um ano trabalhoso. Lamentavelmente, ano que vem não parece que será melhor. Visitamos mais de 400 nascentes e detectamos a existência de 150 nascentes que brotam água, com apoio da UFMT e técnicos da Universidade, apoio do Instituto Ação Verde. Apenas 2% destas nascentes estão preservadas e, portanto, todas as demais exigirão atuação do MPE buscando a reparação do dano. É um quadro triste. Pior, cerca de 170 nascentes não puderam ser confirmadas, ou porque houve canalização do córrego, aterramento da nascente, ou porque construíram em cima da nascente. É triste o quadro de Cuiabá, corremos o risco de perder o sistema superficial de abastecimento”.

O que é o sistema superficial de abastecimento?

“É conhecido também como fio d´água, é aquela nascente que vai para um córrego maior, que vai para o rio, em seguida para o sistema de tratamento e de lá, para a população. É o mesmo que Brasília e São Paulo já perderam. Hoje, eles dependem de racionamento e chuva. Nós podemos ficar muito tempo sem chuva, um ano, sem ficar sem água, justamente por conta deste sistema superficial”.

Cuiabá é uma cidade que cresceu desorganizadamente?

“Um pouco, faltou eficiência do poder público nas últimas décadas. Muitos governos populistas, que deixaram de ver o interesse público para ver o interesse imediatista. Aquela gestão bem egocêntrica, cujo governador diz: ‘Deixe o povo invadir a área, pois não tem onde morar’. Mas estão invadindo algo que é de toda a população. Qual o reflexo disso? Não foi uma decisão técnica”.

Tem exemplo disso?

“Nascente do Hospital do Câncer, que estava sendo aterrada e salvamos. Fizemos análise da vazão. Ela gera 2,2 litros por segundo ou 190 mil litros por dia, abastecendo 1.050 pessoas diariamente. Ou seja, quantas destas já perdemos? Já detectamos nos bairros Dr. Fábio e Pedra 90 casas particulares em cima de nascentes. Aí tem lá um casal e um filho que aterra uma nascente que poderia abastecer 500 mil pessoas ao dia, é uma perda considerável. Esse é o quadro negro de Cuiabá”.
 
 
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