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ENTREVISTA ESPECIAL

Considerar delação premiada como prova seria terrorismo estatal, afirma Valber Melo; confira entrevista

24 Dez 2015 - 08:33

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

Considerar delação premiada como prova seria terrorismo estatal, afirma Valber Melo; confira entrevista
É bem provável que o leitor do Olhar Jurídico tenha notado duas expressões recorrentes no vocabulário de 2015: “delação premiada” e “tornozeleira eletrônica”. Não foram raros os casos em que políticos tiveram seus nomes citados por figuras envolvidas em quadrilhas que decidiram, em troca de algum benefício, delatá-los. O resultado foi uma ampla lista de “figurões” da política desfilando, em 2015, com o adereço no tornozelo direito. Mas, você sabe, realmente, o que significa uma delação premiada e como funciona uma tornozeleira eletrônica? A fim de explicá-los de uma vez por todas o advogado Valber Melo conversa conosco. A entrevista você confere abaixo:

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“Embora haja divergência doutrinária acerca da nomenclatura correta, eu compartilho da corrente que entende ser a delação premiada uma espécie do gênero ‘Colaboração Premiada’. É um meio de obtenção de provas, pelo qual o pretenso criminoso, após confessar a prática de um delito, entrega, delata seus comparsas, sempre em troca de algum benefício”, afirma Melo.

Como funciona?

“O instituto da delação premiada não é novidade no Brasil. Diversas leis esparsas trouxeram a previsão da delação. Entretanto, nenhuma delas regulamentou como se dariam as técnicas de investigações. Foi somente a partir da lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate as organizações criminosas, que o instituto da delação ganhou regramento. Em síntese, a nova lei exige em seu artigo 4º que a colaboração seja voluntária e efetiva, com a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, dentre outros requisitos".

E o acordo?

“A lei disciplina que apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público podem participar da negociação, ficando vedada a participação do juiz. Após a negociação, o acordo deve ser formalizado nos termos do artigo 6º da referida lei, devendo posteriormente ser levado para homologação em juízo. Em troca da delação, os benefícios variam desde perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos ou até mesmo a possibilidade de se deixar de oferecer a denúncia na forma prevista em lei".

Ao final...

“O juiz julgará a eficiência do acordo na sentença, não podendo proferir condenação apenas com base nas declarações do colaborador, desacompanhadas de outros meios de prova”.

Está seguro quem se submete à delação premiada?

“Há sim meios que visam proteger o delator. Por exemplo, o art. 5º da Lei 12.850/13, que lhe assegura ‘usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica’. Ao fazer essa remissão, o legislador conferiu ao delator e sua família a proteção da Lei 9.807, que regula a proteção especial a vítimas e a testemunhas.O artigo 15 da referida lei dispõe que ‘Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva’”.

Qual sua opinião?

“É inegável que o instituto tem previsão legal e que tem sido uma importante técnica de investigação utilizada pelo poder estatal. Todavia, não compartilho com o otimismo daqueles que depositam no instituto a esperança de resolução de todos os males do sistema investigatório brasileiro. A delação nunca foi e nunca será o mais seguro instrumento de busca da verdade real. Dependendo da forma que for utilizada, ela pode servir como mecanismo de pressão sobre o delator, e esse tipo de constrangimento viola o direito constitucional da não auto-incriminacao. Também parece nocivo permitir que o órgão acusador negocie pena com o sujeito pretensamente criminoso, retirando do Estado-Juiz o controle jurisdicional e criando uma verdadeira espécie de privatização do direito penal, onde acaba ficando ao arbítrio do delator o poder de inserir ou retirar quem ele quiser do ‘acordo’, como se ele tivesse as rédeas da ação penal”.

Logo...


“A delação nesse ponto é totalmente prejudicial às garantias constitucionais asseguradas na Constituição Federal de 88, uma vez que acaba por deixar nas mãos de um agente pretensamente delituoso a conveniência de apontar os autores do crime, onde por mais que se esforce, nunca vai se saber os verdadeiros motivos pelos quais o agente delator resolve entregar outras pessoas”

Ou seja...


“Penso que admitir como válida a ‘delação premiada’ de um acusado preso e considerar tais declarações como prova contra outras pessoas pode ser um precedente muito perigoso [...], pois se está a dar um grande salto para sair do Estado Democrático de Direito e ingressar em um sistema de terrorismo estatal”.

Como assim?

"Nesse momento o delator vira praticamente um co-autor da ação penal, passa a ladear o órgão acusador, os fatos ventilados por ele verdadeiros ou não passam a ter super divulgação na mídia, a opinião pública se volta contra os delatados (sejam eles inocentes ou não), o juízo passa a ser pressionado a julgar na onda da delação e a partir daí a persecução penal passa a ser um instrumento de verdadeiro massacre, onde o contraditório e ampla defesa passam a ser meramente ilustrativos”.

Portanto...

“A partir daí, no jogo do processo, se tem apenas acusação e não mais defesa: acusação do delator, acusação do titular da ação penal, acusação da própria imprensa e a super exposição da delação alimentada diariamente pelos meios de comunicação, somadas a influencia da opinião publica, acabam por afastar o juízo da imparcialidade (“acusação do juízo”), gerando um luta totalmente desigual entre acusação e defesa, onde o maior prejudicado não são apenas os delatados, mas todo o sistema de garantias constitucionais”.
 

"A delação, se admitida, deve ser um plus, um detalhe, jamais a base das investigações"


Como podemos dar crédito às palavras de um delator?

“A própria lei disciplina que, a palavra do delator, isoladamente considerada, não tem valor algum; isto porque, como costumamos dizer na seara criminal, o delator é uma fonte impura. Portanto, se tudo o que ele disser não for minuciosamente corroborado [regra da corroboração] com os elementos probatórios carreados aos autos do processo, nada poderá ser feito em relação aos delatados. De qualquer forma, em um estado democrático que se diz de direito, o Poder Judiciário não pode ficar em hipóse alguma ‘refém’ destes acordos, que podem ser absurdos ou resultantes de atos de má-fé”.

A mídia...

“Veja bem, se, numa investigação criminal, um delator cita um nome de uma pessoa, ainda que esteja mentido descaradamente, o impacto que isso causará na mídia - que muitas vezes, de forma precipitada, lança quase que em tempo real os falsos dizeres - é incomensurável. Após ter caído na opinião pública, a situação fica complicada sobremodo, com difícil reversão, mesmo advindo posteriormente uma sentença penal absolutória. Explico: Pode acontecer de a influência midiática retirar do julgador a sua imparcialidade, pressionando-lhe a decidir como quer a sociedade, e não de acordo com seu livre convencimento motivado”.

Apanha dos dois lados

“Nesses casos, se o juiz condena os delatados com penas ásperas, ainda que não haja elementos suficientes nos autos, a sociedade o exalta como sendo um homem honesto. Tem-se, aqui, a figura do ‘juiz justiceiro’, como classifica o professor Luiz Flávio Gomes. O magistrado, não vislumbrando elementos incriminadores nos cadernos processuais, absolve o acusado, será inexoravelmente “taxado” de desonesto e outros eventuais adjetivos”.

*Valber Melo é advogado, professor, doutorando em Direito pela Universidade Museo Social Argentino.
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